Um mar estrelado para Deuses e Astronautas
Esperou o momento oportuno
para saltar da capsula espacial, sua incrível audição pôde prever o momento exato
que os propulsores mandariam energia para a capsula mudar o curso, mas antes
que a nova rota fosse determinada a porta automática foi ejetada e arremessada
ao infinito, alertas piscaram por todo o lugar, o ar já começava a ser tragado
pelo vazio ao mesmo tempo em que o Astronauta, com toda força que as pernas lhe
permitiam, se lançou para a escuridão espacial. Ele utilizou a soma de todas as
forças para ir o mais longe que pudesse velocidade da capsula, velocidade de
escape do ar e o impulso de suas pernas, fortes o bastante para empurrar o
veiculo espacial para trás.
“Ganhou espaço no espaço,
A ideia de um caminho sem volta o deixou sem ar no vácuo,
Ficou nervoso, pois estava sem chão no nada,
Gritou e não foi ouvido por ninguém.”
Foi o que ele achou, mas
seu sétimo sentido, o sentido da propriocepção, o avisava de algo próximo. Na
vastidão solitária sentia algo em seu encalço, percebia olhos muito discretos o
vigiando, movimentos invisíveis, parecia estar em todos os lados, não saberia
dizer se eram várias presenças ou algo imenso, mas estava lá.
Deslizava no negrume
espacial desconfiado daquilo que o observava. Poderia ser uma nave dos
Karmorian, mas eles não teriam tal sistema de invisibilidade ou poderiam ser
parasitas cósmicos, mas significava que a carcaça de um Titã jazia a deriva no
vazio... Não, uma carcaça titânica não passaria despercebida pelos olhos do
Astronauta. Um estalo de realidade fez sua mente trabalhar rápido.
- Uma Entidade grandiosa esta próxima – Pensou o Astronauta.
Ao mesmo tempo desse
pensamento, seu cérebro captou uma perturbação incomum no pano negro logo
abaixo dele. Era como se ele estivesse novamente em seu planeta natal, flutuando
metros acima da superfície do oceano, na mais escura noite de sua vida, água
parada, lisa como um espelho refletindo perfeitamente o céu estrelado. Com toda
aquela calmaria um suave movimento de onda avançava borrando o reflexo das
estrelas, algo normal se não estivesse acontecendo no meio do espaço.
A frequência das ondas só
aumentava e o astronauta ficava cada vez mais inquieto, pois não havia um ponto
de perturbação, as ondas simplesmente surgiam e se propagavam, nunca era do
mesmo ponto, mas sempre em uma área que o Astronauta conseguia ver. A estranha
superfície estava totalmente borrada pelo excessivo numero de ondas, ficando
impossível diferenciar sóis, estrelas ou manchas de galáxias. Toda aquela
confusão parou, a superfície do oceano espacial voltou a sua calmaria e o
sentimento de não estar sozinho voltou à consciência do Viajante.
Seu traje captou sinais vindos de
fora, mesmo sem ativar os sistema de captação, ouviu a estranha canção, pois o
som estava de algum modo se propagando no vazio do espaço, não bastassem os
sons uma luz azulada surgiu do nada logo abaixo dele.
Uma faixa de vários metros iluminou o
viajante, como se um objeto luminoso emergisse das profundezas do oceano. Uma
Claridade ascendente e desfocada, tudo ia evoluindo e aumentando. Os poucos
metros de luz passaram a ser dezenas, na verdade, uma centena de metros, até
finalmente emergir daquela água invisível, uma entidade luminosa e de idade
incalculável assim como seus poderes.
O Astronauta quase não acreditou,
vendo o corpanzil semitransparente, luminescente e fusiforme, barbatanas e a
cauda fazendo leves movimentos verticais. Ketarcerus acompanhava o sujeito à
deriva em sua solidão. Olhavam-se curiosos, o deus com o olho um pouco maior
que aquele dentro do traje e o astronauta olhando a entidade com todos os seus
seis olhos.
A sociedade em que o Astronauta vivia possuía
conhecimento sobre Ketarcerus, sabiam que a entidade presenteou em vários
sentidos a galáxia que o planeta natal do viajante orbitava, mas a relação
deles com o deus era muito diferente de outros povos, como por exemplo, os
seres da Terra para com “Deus” ou mesmo o povo Mezio e seu ódio a Gandysh. Eles
viviam indiferentes à grandiosidade do deus luminescente, assim como Ketarcerus
não governava integralmente e já fazia muito tempo dês da ultima aparição.
Por isso o Astronauta não sabia o que
esperar daquele encontro, ele não imaginou que o deus estivesse tão próximo. Um
som altíssimo fez o viajante voltar à realidade ele viu as luzes da entidade
mudar varias vezes desde a força do brilho até as cores, em seguida submergiu
no nada, sumindo por completo e emergiu bem à frente, saltando iluminado com
uma gama de cores vibrantes. Um tímido sorriso nasceu e morreu rapidamente no
rosto do Astronauta.
- O
que...? – A pergunta parou ali.
Ketarcerus interrompeu o nado e
esperou o pequeno chegar a seu campo de visão, mas nada falou, ao invés disso
demonstrou suas capacidades, por motivos que só ele sabia.
Um dos sensores do traje espacial se
partiu e transformou-se na capsula que estava antes, desdobrando como se fosse possível
comprimir tanto material em algo tão pequeno, e em um piscar de olhos voltou a
ser o sensor, como se nada estivesse acontecido.
O traje ficou totalmente em chamas de
repente, mesmo no vácuo e sem causar dano algum ao Astronauta que ficou
impressionado. Ainda virou gelo em zero absoluto, poeira cósmica e se
transformou em todos os elementos conhecidos e desconhecidos pelo Viajante, um
por um, um traje de cloro, ferro, urânio, adamantium, Téorom, Vasmat, hélio...
Ketarcerus propagou seu brilho, ofuscando
os seis olhos do mortal que passou um tempo sem ver nada e ao voltar a
enxergar, havia sido transportado, viu seu planeta natal próximo, reativando
sentimentos que guardara antes de se lançar no espaço. Seis lagrimas riscaram
sua face e despencaram da pele, mas não pararam no visor do traje, atravessaram-no,
como se não existisse, ficando para trás no espaço. O Deus aproveitou aquelas
gotas e de cada uma criou algo novo.
A primeira afastou-se, tomou uma forma
esférica, cresceu e petrificou, a lagrima que virou rocha. A Segunda cresceu e
envolveu a bola de pedra, infiltrou nas rachaduras e se alojou em depressões,
pequenos lagos e oceanos foram criados. A terceira gota fez o mesmo processo da
segunda, mas não virou liquido e sim gás, criando uma atmosfera. A quarta ficou
verde e dividiu-se em bilhões de micro partículas, chovendo flora na terra e na
água. A quinta brilhou e incandesceu, procurou uma fenda maior e sumiu no
subsolo, fazendo a miniatura de planeta girar. A única gota que continuou
intocada foi a sexta, ela orbitava o planetoide esperando seu destino.
- Demonstrações do seu poder em nada
me tocam. – Falou rispidamente.
O deus pareceu não se importar com o
que o Astronauta disse e simplesmente se aproximou do planetoide para ficar
circulando como se estivesse em orbita. A cada volta completada a esfera
ganhava mais tamanho, e quanto maior ficava maior era o período da volta de
Ketarcerus, até que ele sumiu totalmente atrás do planeta.
O Astronauta ficou curioso e esticava
o pescoço tentando achar o ser imenso, oculto pela esfera, mas não o via, até
que o próprio deus esticou a cabeça surgindo através da abobada atmosférica,
parecia se divertir com a situação.
- O Que quer de mim?! – Sua voz foi
retumbante dentro do capacete, mas um golpe pífio contra o vácuo espacial,
talvez o deus nem tenha ouvido.
Ele esperou uma resposta, mas nada
veio, ou ele achou isso. Pouco tempo depois, seu cérebro foi inundado de sons,
como se um mundo inteiro canalizasse todos os ruídos para os seus ouvidos,
seria algo letal para ele, mas Ketarcerus fortaleceu seus sentidos. Um misto de
sons bagunçados, vozes, musicas, gritos, vento, ondas, terremotos, fogo se
apagando, cabelo crescendo, maçanetas se abrindo, neurônios fechando ligações.
Tudo aquilo formava um uníssono disforme, era como misturar mil tintas em um
único balde e querer ver algo novo, mas o único resultado era a cor preta. Já
estava chegando ao limite do insuportável quando um por um os sons foram
desaparecendo até sobrar um único conjunto. O Oceano.
Sentiu o gosto salgado da maresia,
seus pés, mesmo dentro do traje, pisavam em areia fofa, sua pele era tocada
pelo calor de Vixtri, o Sol de seu planeta natal. Era como se estivesse lá,
ouvia a canção do oceano, as ondas viajando até quebrar na praia, a espuma
estourando, o recuo das águas, era algo surreal... Era a voz de Ketarcerus, que
procurava um jeito para que o Astronauta conseguisse entende-lo. Ele recebia
notas e acordes graves com duração e intervalos diferentes, em varias sequencias
sem lógica, depois de inúmeras tentativas o som parou completamente, o Astronauta
achou que o deus havia desistido e pensou em falar mais uma vez, mas foi
interrompido por um som altíssimo no âmago de sua consciência.
- MORTE? – Era a voz do oceano, a voz de
Ketarcerus que o indagava.
O deus sabia da intenção dele de vagar
pelo infinito até encontrar o fim, não concordava com aquilo e não podia
obriga-lo. Tentou instaurar a duvida, tentou diverti-lo, tentou mostrar coisas
incríveis, mas nada tirava o pensamento sólido do viajante de acabar com a
própria vida.
- Poupe seus esforços, não há mais
nada em mim que queira continuar vivo, pois não existe mais nada para ser
descoberto em meu planeta. Do que adianta viver tanto para chegar ao limite do
que se pode fazer, onde tudo é ultrapassado, onde conheço desde os confins do
planeta até sua atmosfera, até os habitantes já não são mais um mistério, eu
sou considerado um REI! Mas nunca quis isso... não existe o que governar em uma
sociedade que deixei perfeita.
Os seis olhos encontraram-se com os de
Ketarcerus, o imenso ser estava tão próximo do Astronauta que a luminescência
divina engolia o mortal, se houvesse uma testemunha naquele exato momento
enxergaria apenas um individuo.
- O que mais eu iria querer, se eu já
sei de tudo? – Ele gritava com toda a força que podia – O que mais me sobra de
aprendizado que não seja o meu fim?
O deus fez uma única coisa que podia,
pois percebeu o que o Astronauta estava deixando passar algo obvio, afastou-se
do viajante e saiu de sua frente. Os vários olhos puderam novamente enxergar,
sem toda aquela claridade que o ofuscava, um universo de mistérios a sua
frente.
- Veja tudo isso. O que mais você quer,
Alem de todo esse universo para explorar? – A voz do deus inundou a mente do
viajante, dessa vez o tom era mais familiar, como se fosse alguém de sua
própria raça – Para alguém que diz que viu de tudo, você simplesmente se cegou
quanto à imensidão que abriga seu lar, sua sede de conhecimento é incrível,
inimaginável até para seus iguais, mas fez de você um escravo que olha para um
ponto fixo e anda em direção dele cegamente, até que um dia você cairia por não
ver a estrada onde esta pisando... E você caiu Astronauta, você esta vagando em
uma biblioteca de livros recém-escritos e não parou para lê-los, pois suas limitações
o cegavam – O deus parou uns instantes para refletir o que acabara de falar e soltou
uma gargalhada – Eu estou sendo prolixo por sua causa, divagando sobre seus
limites e sua falta de visão – Ketarcerus riu ainda mais – Nunca fui bom em
falar, prefiro sempre mostrar, MAS VOCÊ NÃO VIA! – O levante da voz divina Criou
falhas temporais, fizeram o Astronauta regredir séculos de vida, voltando a ser
criança, mas antes de causar grande surpresa voltou a sua idade original – Imagino
que agora eu consegui coloca-lo em uma nova direção. VOCÊ PRECISA EMERGIR!
As ultimas bolhas de ar escaparam dos lábios
daquele individuo. Estava fundo e em mar aberto, o frio opressor e a pressão
fazia a cabeça doer, talvez não desse mais tempo de chegar a superfície,
talvez. Toda aquela conversa teria sido em vão? Não!
Algo veio de mais fundo, de
profundidades abissais, e o levou até a superfície. A reentrada foi traumática,
golfou muita água e puxou ar como se nunca tivesse respirado antes, tossiu de
machucar a garganta, estava tremulo e sem forças, seu coração gêmeo estava
descompassado, lábios escurecidos. Os dedos tocavam uma superfície lisa com
algumas rugas, um por um, os vários olhos abriram, ardiam por causa do sal e do
Sol, sem forças deitou nas costas de seu salvador, um enorme animal aquático, fusiforme,
com nadadeiras e cauda, cantando uma melodia preguiçosa enquanto o carregava
para a praia. Chorava copiosamente, envergonhado e feliz, nunca sentiu algo tão
dispare em toda sua vida, já era alguém diferente.
- Obrigado – sussurrou para o animal,
girou o corpo, olhou para o céu de fim de tarde cheio de pequenas nuvens arroxeadas
– Obrigado Ketarcerus, agora percebo o quão imaturo estava sendo, o quanto
ainda posso aprender, espero um dia poder aprender com você no espaço.
Uma frequência sonora familiar inundou
a consciência dele, que olhou para a pele do animal procurando uma fonte de luz,
mas a pele continuava negra e totalmente real. Do orifício respiratório ar e água
voaram por metros, cintilando a luz de Vixtri no auge do crepúsculo e caindo
por cima daquele individuo que falou com um deus por achar que sua vida havia
acabado e que nesse momento ria de emoção por estar a salvo, ria por ter
motivos de viver.
Tohad - Happy New Year 3015 Editado por Widalgo |
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