MACHADO DE XANGÔ
Parte 1
Tu conhecerás a fúria!
O Sol do meio dia castigava
a planície seca e árida no interior da Nigéria. A atmosfera no horizonte tremia
por causa do calor, formando lagos ilusórios em um ponto que não se alcança
apenas andando, dois lagartos corriam de uma sombra a outra se não conseguissem
a tempo paravam e esfriavam duas patas enquanto se apoiavam nas outras e
continuavam a correria quando estavam em condições.
Rochas escuras cresciam como
uma pequena cordilheira erguendo-se do solo. Pequenas e médias rochas
pontilhavam a terra e havia apenas uma única pedra enorme, como o Sol estava a
pino a sombra da pedra gigante formava-se abaixo da rocha, criando um circulo escuro
que abrigava varias crianças, brincando com bonecos feitos de barro ou gravetos
e algumas mulheres grávidas se poupando do calor escaldante e conversando entre
si.
Uma tribo vivia naquele
lugar, homens trabalhavam com argila, faziam jarros e potes de estocagem, algumas
mulheres cuidavam da fogueira e outras esticavam a pele de um animal que foi
caçado, prendiam em uma armação para que a peça de couro curtisse no sol, ao
lado homens tratavam a carne. Dezenas de cabanas feitas com palha estruturadas
com galhos e amarradas com tranças também de palha, um numero menor possuía
estrutura de pedras e argila. No centro da vila, uma das habitações, a maior do
local e rodeada de adornos idolátricos e vários crânios tanto de animais quanto
de pessoas, essa cabana pertencia ao curandeiro e feiticeiro do local um senhor de idade
trajando vestes roxas muito escuras, um colar feito com dentes de leão e
pequeninos crânios, pulseiras de pedras pretas e brancas, descalço pisando num
pó branco, o mesmo que pintava o rosto contrastando com a pele negra marcada
pela idade.
Entoava um cântico muito
diferente, não era Yorubá nem mesmo alguma das varias línguas africanas, estava
claramente em transe, olhos revirados e de postura nada confortável, curvado
para trás com a cabeça para frente, braços para trás com as palmas das mãos
para cima. O cântico que era quase um sussurro já estava em um tom normal de
conversa, versos incompreensíveis, o local em volta dele estava repleto de
itens, muitas cabeças de animais em putrefação, esqueletos, colares com pedras
de vários formatos e cores, peles com feitiços marcados com laminas, quanto
mais o som das palavras aumentavam o lugar reagia junto, vibrando, cantando,
até que parou. Os olhos do velho que antes eram brancos estavam negros, um
liquido negro minava dentro dos globos leitosos do feiticeiro e no jarro para
onde ele mirava a magia subia um fio de fumaça. Dentro queimavam algumas ervas,
penas, orelhas de animais, dentes e areia de cores variadas e o velho parou o
cântico.
O crepitar quase inexistente
dentro do jarro deu lugar ao som de borbulhar. Do nada o utensílio de argila ia
sendo preenchido por um liquido denso e negro, dedos, pedaços de pele e olhos
emergiam da substancia um cheiro podre e rançoso tomou o local, fez as inúmeras
moscas que rodeavam as cabeças que apodreciam nas prateleiras saírem de seus
banquetes para o liquido, mas ao se aproximarem morreram o foram tragadas para
dentro. O liquido já estava na borda do jarro, prestes a escorrer, quando
jorrou, como uma fonte, subindo até o teto de palha e o destruindo.
Do lado de fora homens e
mulheres viram o jorro negro subindo e criando um tipo de chuva localizada e
podre. As gotas caíram por sobre a pele das pessoas, que não entenderam o que
era aquilo e agora estavam enojadas com o cheiro. O primeiro grito veio de um
homem na porta se sua cabana. A gota negra havia caído em sua mão, o liquido movia-se
por conta própria, por onde passava deixava sujo, sentiu uma fisgada no local
atingido, que se modificou, a mão do homem se transformou numa pata de hiena, e
enquanto a transformação subia pelo braço novos gritos foram ouvidos. Um jovem
estava com metade do rosto transformado em hiena, caída no chão perto da fogueira
uma mulher via as pernas se ligando e a pele ficando amarelada e translúcida, a
metamorfose era em um verme, ao mesmo tempo em que seu corpo mudava tentava se
desvincilhar de um homem com cabeça e asas de abutre, seu marido.
As crianças e as grávidas
que estavam na sombra da pedra gigante escutaram os barulhos e foram averiguar.
Já bem próximos à cerca uma mulher saiu correndo gritando para retrocederem,
lagrimas ficaram para trás, quando um Homem-mosca caiu sobre a mulher, quatro
braços agarrando-a, asas batendo, dando-lhe ainda mais força, a língua perfurou
as costas sugando o sangue. As crianças gritaram, correndo em seguida, mas
foram surpreendidas pelos homens-hiena capturando-as. As grávidas foram
acuadas, apavoradas com os rostos de seus captores e temendo por seus filhos
não ofereceram resistência, um dos homens-hiena segurou o braço de uma das grávidas,
talvez amais velha das três, assustada ela cortou a mão do monstro com um
punhal escondido em suas vestes, livrou-se do aperto e correu para a esquerda, fitando
a planície desértica. Ao ganhar o mínimo de distancia pisou em areia fofa,
desequilibrando e caindo, uma armadilha, antes que a barriga tocasse o solo a
cabeça de um verme emergiu cravando os dentes, humanos, na barriga da grávida e
sugando o bebe, gritando de dor e horror ela viu as mãos humanas nas laterais
do corpo anelado do verme e o rosto ainda movendo os olhos.
Dentro da vila os monstros
gritavam enlouquecidamente, a grande maioria transformada por completo agora
transformava os que não entraram em contato com o liquido negro. Todos
resistiam, mas os que davam muito trabalho eram arremessados contra a parede da
cabana do feiticeiro, melando o corpo com o piche, poucos foram transformados
de outra forma, dois homens mais fortes, uma mulher linda e quatro crianças
foram forçados a ingerir os pedaços humanos que emergiram da substancia, as
partes foram forçadas goela abaixo, uma das crianças teve a garganta perfurada
pela garra da hiena que segurou a ferida enquanto ela se transformava. Enquanto
as bestas estavam concentradas com aqueles escolhidos um jovem deixou o
esconderijo correndo para as planícies áridas e semidesérticas.
O garoto corria o máximo que
podia, sem olhar para trás, os pulmões ardiam, pequenos cortes se abriram em
seus pés, lagrimas turvavam sua visão, sem diminuir o passo. Em meio aos
soluços ele começou a orar.
Sángiri-làgiri,
(Que
racha e lasca paredes)
Olàgiri-kàkààkà-kí
Igba Edun Bò
(Ele
deixou a parede bem rachada e pôs ali duzentas pedras de raio)
Um Homem-abutre alçou voo do
centro da vila para interceptar o fugitivo, das costas o par de apêndices que
lhe permitia voar era enorme, com envergadura o bastante para levantar um
homem.
O
Jajú Mó Ni Kó Tó Pa Ni Je
(Ele
olha assustadoramente para as pessoas antes de castigá-las)
Ó
Ké Kàrà, Ké Kòró
(Ele
fala com todo o corpo)
S'
Olórò Dí Jínjìnnì
(Ele
faz com que a pessoa poderosa fique com medo)
As energias do jovem o
deixavam, as lagrimas eram incontroláveis, mas ele não largava os amuletos,
dois pequenos machados esculpidos em madeira.
Eléyinjú
Iná!
(Seus
olhos são vermelhos como brasas!).
Abá
Won Jà Mà Jèbi!
(Aquele
que briga com as pessoas sem ser condenado porque nunca briga injustamente!).
Os pés/patas de abutre
chegaram até o garoto, cravando as garras no ombro, fazendo o sangue descer. A
oração ficava cada vez mais forte.
IWO
NÍ MO SÁ DI O!
(É
EM TI QUE BUSCO MEU REFÚGIO!).
Ona
Mogba Bi E Tu Bá Wó Ile
(Se
um antílope entrar na casa)
Os pés já não tocavam mais o
chão, o mundo distanciava e ficava menor.
Jejene
Ni Mú Ewure
(A
cabra sentirá medo)
Nuvens escuras formaram-se espontaneamente,
uma espécie de torre invertida.
Bi
Sango Bá Wó Ile
(Se
Sango entrar na casa)
Jejene
Ni Mú Osa Gbogbo
(Todos
os Orisa sentirão medo.)
Um relâmpago desceu da torre
invertida de nuvens e acertou o homem-abutre, partindo uma das asas e
pulverizando o monstro, que gritou em agonia. O jovem caiu, viu o mundo ficando
mais perto até parar no ar tão rápido quanto um piscar de olhos, em seguida sua
queda ficou ainda mais veloz parando novamente a distancia do seu braço do solo
e finalmente tocando as areias da Nigéria.
Ficou de joelhos, ainda
tomando fôlego, tentava ficar de pé, os membros inferiores não o obedeciam, os
braços sem forças por causa dos ferimentos no ombro. Poucos metros a frente viu
a figura de um homem, alto e largo, ostentava costas musculosas e marcadas com
cicatrizes, usava um saiote de couro de leão por baixo e por cima vestia uma sobreposição
de tecidos marrom alaranjado com pelo menos duas voltas na cintura, fazendo um
cinturão onde repousavam dois machados de cabo curto, cor de âmbar com veios sem
cor, de lamina dupla, feitas de rocha obsidiana, negras como a noite. Incrustado
em “Eegun, o raio” pequenas pedras azuladas, e em “Iná, o fogo” pequenas pedras
vermelhas. Não possuía calçados, tinha grossas tornozeleiras de ouro, logo
abaixo da barra do saião, e pesados braceletes de ferro, presente de Ogum.
Virou-se encarando o jovem, cabeça lisa sem nenhum cabelo e pinturas de guerra,
olhos incandescentes, mas que foram perdendo o fulgor, revelando íris castanhas.
- Como é o seu nome?
Perguntou o guerreiro misterioso.
- Corajoso, honrou o nome
lhe deram. – Olhou para a vila.
- Não senhor, eu fugi, não
os enfrentei. – Deus os ombros, curados, e abaixou a cabeça – Eu sou um
covarde.
- Não fale isso, você
acreditou e eu respondi o chamado. – Sua voz era doce, mas de expressão seria.
- Ainda não consigo
acreditar que seja você mesmo – Akin ainda incrédulo, viu raios dançarem no
braço esquerdo do guerreiro – OLUGBALÁ
SANGO!
Ao começar mais uma frase, o Orixá percebeu o crescimento de uma presença
maléfica.
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Na casa onde ocorreu o ritual, o chão estava
alagado com o liquido negro, o feiticeiro permanecia do mesmo jeito que estava, duro como uma estatua. O jarro estava submerso, a superfície do liquido negro estava parada, lisa como o céu a noite, do nada começou a borbulhar, as bolhas estouravam soltando fumaça negra.
Xangô
sentiu a energia ficando mais forte e disparou para a vila.
Do
local borbulhante um braço humano emergiu, nos dedos garras e nos pulsos
braceletes de osso e bronze. Xangô estava muito perto quando viu em sua frente
três homens-hiena, bloqueando a passagem do trovão, estavam armados de lanças e porretes, rosnavam enraivecidos e gargalhavam em provocação,
ele não hesitou.
- EEGUN!
IKANNÚ (FÚRIA)
Empunhando
o machado, relâmpagos saíram da lamina escura, arquearam pelo ar e atingiram as
bestas em cheio no peito, carbonizando os indivíduos. Sem perder tempo disparou
contra a porta da cabana do feiticeiro explodindo-a em chamas, mas ao entrar a energia
maléfica havia sumido levando o piche podre consigo, sobrando apenas o mal cheiro, uma
pira de fumaça negra e o curandeiro estático.
-
Ei você! Que tipo de Ísajé (magia) é essa? O que tu invocaste! EM NOME DE XANGÔ
RESPONDA-ME!
-
Bilisí (O mal), Nla Epe (A grande praga), Olóhun (Mestre).
- Que mestre é esse?
O feiticeiro se virou e
encarou o orixá, já não era mais humano, embaixo do capuz os olhos de hiena
entregavam seu novo ser. A palma da mão concentrava energia, uma esfera verde
de energia fluida que gotejava e queimava o chão.
- Pereça, monstro!.
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Xangô atravessou o portal da
cabana, Iná na mão direita, ainda incandescente, e a cabeça do feiticeiro na
esquerda, com sangue descendo da cervical. Deu à volta pela cabana deparando-se
com muito sangue, cadáveres totalmente drenados ou com partes arrancadas com
presas ou bicos, crianças destroçadas, uma mulher grávida que estava aberta da
vagina a garganta e o feto cortado ao meio. Os olhos do Orixá irromperam em
chamas, nuvens de tempestade nublaram o céu e relâmpagos caíram no deserto.
- Não importa quem você seja! Eu vou te caçar
e te destruir! Escute bem minhas palavras! TU PERECERAS ENTRE O RELÂMPAGO E O
FOGO, TU CONHECERÁS A FÚRIA DE XANGÔ!
Anikuapo back cover fin first pass by Mshindo9 Editado por Widalgo |
Conto Baseado em crênças africanas, religiões africanas e afro-brasileiras, nos orixás e mitologia africana. Sem nenhum desmerito ou depreciamento, não tive nenhuma intenção de ofender ou denegrir crenças de ninguem ou ofender quem não acredite, foi uma homenagem e releitura por meio de um personagem muito interessante. Obra de Fantasia e aventura.
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