O Breve Olhar do Ultimo
“Da cobertura de um casarão
com a fachada vermelha de pintura rachada e descascando do tempo sem cuidados,
um homem via o rio correndo logo abaixo após a antiga Rua da Aurora que seguia
vazia e silenciosa, entre construções, casarões com suas varandinhas e alguns
prédios, e o próprio rio Capibaribe. Asfalto rachado e calçadas cheias de ervas daninha maquiando a aparência da avenida que destoava a cada centímetro com vários tons
cinzas e marrons, musgo verde predominante em muitos outros locais. Postes
de concreto envelhecido com antigas marcas de panfletos e anúncios, que
lembravam uma época antiga e praticamente esquecida, a própria ação do tempo
que o degradava, revelando vigas e as enferrujando, fios caídos sem uma única
centelha de energia, pois a força já havia acabado a muito, os bancos já
estavam com suas madeiras velhas e escurecidas os parafusos envoltos em uma
grossa camada de ferrugem, os sinais de transito caídos e lá longe em uma
pequena praça com hastes para erguer bandeiras, mas com apenas poucos pedaços
que flamulavam, resistiam às ultimas lembranças de uma nação e um estado. Mais
a frente uma escultura de metal em forma de caranguejo sozinha com sua pata
levantada acenava para ninguém.”
É lindo ver o Rio Capibaribe
desse lugar. Já perdi a conta de quantas vezes repeti essa mesma frase neste
mesmo local. Faz pelo menos dois anos que eu sempre venho aqui todos os dias no
fim da tarde contemplar a beleza do rio e os contrastes da paisagem, toda a
parte da margem foi coberta de mangue impondo sua faixa verde por quilômetros
em varias direções. Eu soube que antigamente não era assim, meus pais me
contaram e já haviam escutado de meus avós, que o Capibaribe era em varias
partes sujo e mal cheiroso, os peixes praticamente sumiram por ser escuro e
poluído, quadro que foi revertido com os anos sem os despejos de esgoto.
Hoje foi o dia de relembrar.
Dos meus amigos queridos que se foram há sete anos, nenhum deles tinha idade
próxima a minha, mas eram meus melhores amigos, não suportaram a dor de perder
seus pais e ver que todo mundo estava indo embora. Lembro-me do ultimo programa
de TV que foi ao ar, uma emissora de logo com formato esférico e um noticiário
chamado Jornal Nacional, um senhor de 87 anos, esse dia em questão foi
praticamente o dia todo ocupado por ele, já era o ultimo ancora do Brasil, eu
acho, e saudosamente contou por horas emocionadas historias de algumas décadas
antes lembrando como o Brasil e o mundo era antes dos acontecimentos. Esse
programa foi ao ar vai fazer 15 anos, pois esse senhor, que infelizmente eu
esqueci o nome, morreu poucas horas depois de se despedir dos poucos
telespectadores e com isso ninguém mais teve coragem para continuar a
apresentação do programa e a TV morreu com ele. A crise de mão de obra foi
geral com o passar dos anos, a energia virou um ramo de famílias que ocuparam as Hidrelétricas e
passavam o comando por gerações, faziam esse serviço por prazer quase três
anos depois do fim da TV a primeira Usina Hidrelétrica parou e dois anos depois Itaipu,
a ultima, fechou suas portas por não haver mais peças, as fabricas pararam sem
mão de obra com idade necessária para trabalho. A educação perdurou, pois os
livros ainda faziam seu “papel” e os letrados deram o sangue para qualificar ou
ao menos alfabetizar as poucas gerações futuras, os colégios deixaram de
existir e só as grandes universidades eram usadas para ensinar todas as idades,
os livros foram cultuados, o problema eram os leitores que já estavam escassos
e sem eles os livros são apenas papeis a mercê do tempo e das traças.
E falando em papel o
dinheiro rapidamente foi extinto, o consumo desenfreado foi parando, a mão de
obra acabando, as pessoas se concentraram nos centros, quando os juros e a
inflação chegaram a níveis tão grandes que o comercio virou sistema de troca,
negócios em cima dos bens que os outros produziam, os sistemas modernos caíram
e voltava à era dos feudos, agricultura e pecuária viraram a fuga para aqueles
que não produziam alguma coisa e só podiam oferecer força de trabalho. Lembro
que o petróleo foi rapidamente transformado em gasolina para que vendesse mais
rápido, mas diferente do que foi previsto os carros foram deixados de lado, poucas
pessoas ainda os usavam, pegando combustível de postos abandonados, mas cheios
de gasolina, ou trocavam por comida, minha família e eu viajamos por todo
Pernambuco e estados próximos, meu pai era um engenheiro agrícola e ainda teve
muito trabalho em uma sociedade que se extinguia, aprendi muito com ele e
quando ele morreu continuei mesmo novo, ele dividia meu horário entre
brincar com alguns poucos amigos de onde morávamos e aprender as suas técnicas,
o que me ajudou no futuro, logo os meus amigos saíram do centro com os seus
pais e ano após ano menos pessoas ficavam até todos sumirem. Com as grandes
distancias telegrafo e código Morse eram nossas comunicações, as torres de
celulares, não funcionaram como foram programadas e em alguns anos param de funcionar,
sem falar que não havia energia para carregar baterias, criando assim as “casas
de recados”, como eram chamadas, estavam sempre cheias... Mas novamente, com o
tempo, os recados pararam de chegar.
Hoje eu me alimento só com o
que eu produzo e tento não me apegar aos animais que eu crio, pois
eventualmente eles podem vir a ser minha refeição. Mesmo sem energia consigo
estocar alimentos em uma geladeira, usando gasolina e um gerador que encontrei
em uma das minhas incursões por recursos. Encontrar coisas que facilitassem
minha vida era a parte mais fácil sempre ouvi falar de como o centro do Recife era movimentado,
cheio de pessoas em polvorosa por preços baixos e hoje só tem silencio. Não
costumo entrar nas casas, pois as pessoas adotaram um habito de morrer em seus
quartos.
Extinção, palavra que ecoa
em minha mente toda vez que lembro do passado da humanidade. Fenômeno que
apareceu timidamente nos dois países mais populosos da Ásia e do mundo, Índia e
China. Um ou outro caso de infertilidade surgiu em mulheres jovens e
saudáveis com idades de 20 a 26 anos, eram casos isolados e devido ao tamanho
da população desses países essa proporção de mulheres inférteis não moveria a
sociedade com a suspeita de ser um grave problema, pois o numero de casos era
mínimo. O que se pensava na verdade era em como essa situação foi benéfica para
o planeta já que “Esses países tem tanta gente uma mãe a menos não fará falta”.
Somos cruéis a ponto de pensar assim, estávamos realmente precisando de um
castigo... E ele chegou.
Os casos de infertilidade na
Ásia começavam a ser encarados como um possível problema quando mulheres em países da
Europa se mostraram inférteis e finalmente o problema passou de um "possível
causa preocupante" para um perigo real, o primeiro mundo sofreu e tudo mudou. Os pequenos países Europeus entraram em depressão, com pequenas populações e cálculos para o futuro da sociedade com resultados aterradores o colapso
era iminente. A economia de uma nação depende da força jovem os problemas em
longo prazo se aproximavam. Em poucos meses mais surpresas, os homens começaram
a apresentar o “Mal da Infertilidade” que só aumentava, os cientistas estavam
intrigados com tudo isso tão de repente, mas não foi, em 2017 um geneticista
Alemão chamado Wagner Fritz mostrou uma pesquisa provando que o “Mal da
infertilidade” foi causado unicamente por nosso comportamento, Poluição crescente,
modo de vida estressante, tipo de comida, entre outros fatores que somados
afetaram os homens. Finalmente fomos vencidos depois de tanta macula contra a
Terra, estávamos nós destruindo e não percebíamos. Soluções foram propostas,
mas já era tarde demais, pois as antigas gerações sofreram do mal e os férteis
agora eram raros, esperar era a solução.
O que se esperava do mundo
era histeria e caos e surpreendendo a todos novamente não foi o que ocorreu. A
historia foi escrita a base de paz e arte, As guerras cessaram, povos rivais encontraram a trégua, foi uma época marcada com Arte e musica, o avanço a
tecnologia ia diminuindo a cada dia, fabricas fechando as portas e a natureza
voltando a ser como antes, viva e bela. O Ser humano se despedia do planeta e ele
agradecia. Hoje me vejo só, andando pelas ruas vazias do “Antigo Recife” e me
perguntando “Estou só mesmo?” o que eu sei é que em Pernambuco eu sou o único,
no Nordeste eu sou o único, estou começando a achar que no Brasil também sou o
único, mas no mundo isso eu não posso acreditar, tem de existir mais alguém a
humanidade não pode acabar assim, nós somos mestres em evoluir... É isso que me
mantêm são, a esperança de não ser o ultimo de minha espécie.
Esse é o meu quadragésimo
diário que sempre fala da mesma coisa eu os escrevo todo dia incansavelmente
vendo a Rua da Aurora e o Rio Capibaribe e eu sei que alguém um dia vai ler. Eu acredito.
Recife - Rua da Aurora |
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