Alemanha Amaldiçoada

Lembro-me bem daquele dia escuro, da fumaça e poeira que nublavam o Sol e se espalhavam pelos campos, nesses campos uma seleção de mortos caídos na grama molhada, essa lembrança me da pesadelos até hoje.

Lembro de que o ano era 1943, o mês e o dia exatos fugiram de minha mente, éramos apenas refugiados de uma maldita guerra e estávamos fartos de tantos tiros e explosões, eu só queria um local para repousar com a minha mulher. Fugíamos junto a um grupo de judeus. Somos alemães, mas nunca concordei com o que o partido nazista pregava, por isso ajudamos um grupo de judeus a se esconder e por abriga-los estamos sendo perseguidos como cães raivosos. Fugimos para longe das cidades, não havia lugar para nos escondermos alem de campos abertos com o perigo de entrarmos sem querer no meio de batalhas que não eram nossas, mas estávamos indo bem, tínhamos comida e achamos água com facilidade passamos dias sem cair no meio de qualquer confronto até um dia escuro por causa do céu repleto de nuvens.

Ruídos de tanques acordaram todos, tiros riscavam o céu e explosões de granadas faziam nos encolhermos por instinto, foram horas ferozes até que simplesmente os tiros eram cada vez menos ouvidos e os disparos dos canhões cessaram. Eu e mais três homens fomos ver o desfecho, muitos corpos no chão, os tanques com escotilhas abertas, os mortos eram de soldados nazistas, americanos e ingleses, mas muitos corpos não foram mortos por balas, estavam caídos sem ferimentos aparentes, olhos virados e veias saltadas no rosto, expressões de HORROR. Vendo aqueles soldados no chão, mortos por não sei o que, fez o medo que segurei por todos esses dias aflorar e lagrimas caíram do meu rosto foram apenas segundos quando escutei gritos, virei rápido espantado, pois temi pela minha mulher. Eu e os outros três corremos para a depressão que escondia o grupo, enquanto nós íamos alguns corriam de onde viemos, vi a minha mulher correndo e entrando em uma cortina de fumaça ao longe, não pensei duas vezes e segui para onde ela foi. Pensei que um grupo de soldados sobrevivente havia encontrado os outros e atacou os refugiados, passei perto da depressão e vi... Um monstro, asas de morcego, armadura e elmo vazio dentro com apenas um vapor espectral verde subindo, segurava em sua mão direita uma espécie de cajado demoníaco com a mesma energia de sua cabeça e na mão direita uma criança, os olhos dela estavam brancos e de dentro da boca um fluido brilhante era puxado para dentro da boca tenebrosa daquele monstro ao mesmo tempo em que ele sorria, uma risada malevolente e sombria, como uma maldição cantada.

Corri mais rápido ainda, tive tempo de o ver soltando o menino e movendo-se para outra vitima, rápido ele flutuava bem próximo ao chão segurou os cabelos dourados de uma jovem, novamente temi por minha mulher, corri e os gritos da jovem ficaram para trás, passei pela fumaça meus olhos lacrimejaram e gritei o nome de minha mulher “TALIKA!” Não ouvi resposta apenas mais gritos. Passei por um velho que repetia freneticamente um nome "Kezzedrix" e corri mais, sai da fumaça e vi mais corpos, corpos de mulher, olhei as, mas não vi minha Talika entre os cadáveres, fiquei com um pouco de esperanças quando uma onda de frio avassaladora me paralisou o temor absoluto roubou minhas forças eu não conseguia nem respirar, ele estava atrás de mim e ria baixo um gutural do fundo da garganta, se ele possuísse uma, girei para encara-lo de frente, minhas mãos tremiam, tinha consciência que minha amada Talika estava bem e fiquei mais calmo... Apenas aguardei o pior.
Uma bomba explodiu e ele não se moveu, pois estava aproveitando o momento, dei uns passos para trás e ele continuou imóvel quando pensei em correr ele apontou para mim com seu cajado envolto em energia esverdeada e eu estava pronto. Um grito veio do nada, um grito desesperado e feminino, correndo na direção do monstro Talika agarrou o braço do demônio e mandou-me correr, claro que eu não fui... Como poderia obedecer tal ordem.

- Se eu morrer em vão, eu vou te odiar para sempre onde quer que eu esteja. – Ela falou.

Lagrimas inundaram meus olhos e simplesmente corri sem olhar para trás, não sei se foi o medo ou a tristeza que me fez correr. Já distante do local a ultima coisa que vi foi o Kezzedrix erguendo minha mulher pelo pescoço, gargalhando alto e sugando sua alma.

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Sete de Outubro de 2012, convenção de psiquiatria na Suíça.

- A carta que acabei de ler foi encontrada pelo Doutor Albert Klaus de um hospital psiquiátrico da Polônia. A carta foi encontrada em cima de uma escrivaninha e o paciente se chamava Jörg Fritz, cometeu suicídio seis anos depois que foi internado, ele foi salvo pelas forças aliadas e dizia que um demônio havia matado soldados e civis sugando suas almas, disse o local das mortes, um descampado próximo a zonas de combate intenso, realmente muitos corpos foram encontrados, só que foram encontrados nos cadáveres resquícios de gases tóxicos de um ataque mal sucedido, de tanto insistir na historia do demônio ele foi internado, passava os dias falando o nome “Kezzedrix” e que um dia se vingaria. Cometeu suicídio no dia do aniversario de casamento onde faria 10 anos de casado – O palestrante fez uma pausa para tomar água – É triste não conseguir aliviar um paciente, mas vendo esses casos às vezes eu me pergunto se isso pode vir a ser real.

Vários doutores riram e a palestra encerrou o palestrante viu o movimento das pessoas dirigindo-se para a saída e apenas uma jovem ficou no corredor entre as cadeiras, eles se olharam, ela levantou-se, passou pelas cadeiras e foi andando calmamente e parou próximo ao doutor. A jovem tinha cabelos vermelhos naturais, semblante serio e desafiador, usava um sobretudo cinza em sua mão direita anéis de prata e uma tatuagem de cobra nas costas da mão que continuava braço acima mesmo o palestrante não vendo.

- A palestra foi incrível doutor, fiquei muito envolvida com essa historia final.

- Obrigado – ele a examinava com os olhos – mas sem querer ofender, eu não acho que você seja uma pessoa que se interessa por psiquiatria.

Ela sorriu e seus olhares se encontraram.

- Eu gosto das historias, sempre penso que nem tudo é criação das pessoas, mas obrigado pela informação.

- Pela palestra você quer dizer? - Achando estranho.

- Também... A verdade é que eu estava atrás de pistas já fazem alguns anos, ele esta em minha lista.

- Como assim? Que lista?! – O doutor falou em tom mais alto, mas logo pediu desculpa.

A jovem apenas andou em direção à porta e saiu, antes de cruzar o arco de saída pegou um embrulho grande que repousava escorado próximo à porta de entrada, que o doutor havia percebido, mas não deu importância. A misteriosa jovem retirou os nós feitos com tiras de couro escuro e desenrolou rapidamente os panos, dentro do embrulho misterioso a visão de uma espada de dois metros, lamina vermelha e preta e empunhadura em forma de uma serpente demoníaca espantou o palestrante.

- Nem tudo é loucura doutor, o nosso mundo é repleto de segredos que se vierem a tona criarão caos e pânico na sociedade e por isso tornam-se lendas ou historias de pessoas "loucas". 

A ruiva ergueu a espada apoiando a arma no ombro esquerdo e saiu. Paralisado e confuso o psiquiatra caiu sentado na cadeira, em apenas um gole bebeu o resto da água que era contida na jarra.


Créditos da imagem por The Durrrrian
Editado por widalgo

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