A Jaula


Despertando



Meus olhos se abriram rápido, rosnei baixo amaldiçoando os deuses antigos. Um gosto horrível em minha boca fazia-me babar, as pálpebras pesadas teimavam em se fechar, fazia força para não cair no sono outra vez, minha cabeça doía estava entorpecido com algo que nunca havia provado antes. Estava muito escuro, pela primeira vez meus olhos não se acostumaram com a falta da luz, enxergo melhor nas trevas, mas meu olfato ainda me dizia muito sobre aquele local, o fedor de fungos era característico de um calabouço, fungos esses faziam festa nas paredes e no ar, alem disso sangue velho estava presente em todo o local, assim como excrementos e lagrimas.

Minha visão começara a voltar assim como alguns de meus sentidos, à frente obstruindo a passagem eu via linhas verticais paralelas e me intriguei com aquilo, ainda fraco arrastei-me para mais perto lambi o que quer que fosse... Para minha surpresa tinha gosto metálico. Recuei um pouco minhas garras no impulso, contrariam-se arranhando o chão, rangido e faíscas denunciaram o chão de aço.

Agora tudo fazia sentido, o balanço do navio no oceano com as ondas quebrando no casco, a jaula, eu estava preso e com muita raiva, não de quem me prendeu e sim de mim por ter sido impulsivo.

Lembranças



Depois de dias de viagem pousei em uma ilha que gosto muito, fiz questão de desviar minha rota para descansar ali. Nessa época do ano a temperatura local é agradável, na verdade os trópicos sempre são os melhores lugares para se recuperar de muito tempo voando. Corri para um lago azul cristalino e mergulhei, não consigo descrever a sensação da água penetrando em meus pelos e esfriando meu corpo. Os peixes eram abundantes e saborosos, comi bastantes, pois pretendia passar um bom tempo no local.

Nadei até me cansar, subi em uma grande pedra na margem, aproveitando o Sol do meio dia para secar meus pelos e poder dormir sossegado no topo de uma gigante árvore no centro da ilha. Mas eu ouvi um pequeno ruído e já imaginava do que se tratava, adoradores de carne e osso, humanos, às vezes eles me veem o que é normal, pois sou bem grande, vermelho, laranja e branco. Por séculos ouvi minhas próprias lendas contadas entre eles que chegavam aos ouvidos dos quatro mestres do vento, nos divertíamos muito com cada relato.

Mas dessa vez eu estava cercado e infelizmente teria de deixar a ilha mais rápido do que pensei, vi uns deles apontando um objeto de cor escura, armas, sem hesitar alguns disparam pequenos projeteis que vinham em minha direção depois de uma pequena explosão. Pobres insolentes, uma abelha não ataca o rochedo que atrapalha seu percurso, não me importei, dei as costas abri minhas asas, mas antes que pudesse alçar voo um dos projeteis acertaram a base do meu chifre esquerdo, um fio de sangue quente me fez ferver de raiva, virei rugindo tão alto que minha cabeça doeu. Como tão patéticos seres teriam audácia para tal ato. Mas rugir foi a minha ruína, um deles, um homem sem cabelos e caolho do olho direito, o líder deles, atirou um projétil bem na minha língua.

Ao mesmo tempo me senti tonto, senti a aproximação deles e as correntes se fechando em minhas patas. Estava preso.

Raiva



Tão burros.

Não sabem o quão em apuros estão me aprisionar desse jeito jogado no escuro de uma embarcação nojenta. Lembro-me de quando um povo que vivia no deserto clamou por ajuda e bênçãos, imploraram para que o ultimo bloco de pedra para finalizar o tumulo de seu rei fosse colocado por mim, com minha força ergui a pesada rocha para o topo da pirâmide, por causa daquilo seis gerações daquele povo me presenteavam todos os meses com dádivas do rio, artefatos e grandes lendas sobre mim.

Tão pequenos.

Apenas me erguendo sobre as minhas quatro patas e pressionando meus chifres no teto, me libertei destruindo a jaula, minha cauda agora carmesim trás uma mostra do inferno de calor dos cristãos, minha boca irrompe em raios como a fúria de meu antigo amigo Thor, minhas garras ferem o metal tão afiadas como a espada de Musashi, minha raiva me lembrou dos tempos antigos lutando contra a escuridão para salvar esse planeta, que seria prometido a um povo tão... Olhei em volta ainda inflado de poder, varias outras jaulas, mas não com animais e som com os falantes, humanos, varias etnias, diferentes sexos e idades, todos presos.

Tão Triste.

Não havia porque me vingar, eles já faziam por si próprio, ninguém tem o direito de escravizar ninguém. Eu via nos olhos dos pobres condenados um limite para o futuro deles e vi um motivo para agir melhor que a vingança.

Tão Simples

Caminhei imponente pelo corredor, igual quando o Arcanjo Miguel recebeu sua espada para lutar contra a legião das entidades do caos do outro universo. Por cada jaula que cruzava minha cauda derretia o cadeado que os prendia, subi as escadas, arrebentei a grande porta de aço e olhei para fora, o céu escuro e o mar um pouco agitado o cheiro salgado me lembrou de Atlântida, marujos correram para perto de mim e morreram com uma simples patada, continuei indo em direção à cabine principal, pois tinha um assunto pendente, vários se posicionaram a minha frente, mas foram lançados para fora do navio pela rajada de vento que minhas asas soltaram, foi quando um disparo atraiu minha atenção.

Tão patético

O homem ria, ainda estava confiante de que me venceria novamente, mas “Você só me vence me matando”. Todos os seus subordinados apontavam suas armas para mim, olhei para cima e senti a chuva cair. De minha boca faíscas de raios lutavam contra o aperto dos meus dentes, deixei que seguissem seus caminhos, subiram as nuvens, transformando a noite em dia tão rápido quanto o amor de um peixe, os raios desceram ferozes como a lagrima de um anjo vingador, acertaram todos aqueles tolos subordinados que caíram no chão com as cabeças em chamas.

Tão libertador

Veloz de um modo que só eu sei como, agarrei o líder deles e ele me olhou com medo, medo de varias existências. Enxerguei seu passado sórdido e suas vidas de outrora, refleti tudo aquilo para ele e voei levando-o para as nuvens. De cima olhei os escravos saindo da prisão e soltei aquela alma danificada para cair livre como seu ultimo passo antes do julgamento, para a escuridão do oceano.

Não tenho raiva dos humanos, mas eles que fiquem longe de mim, pois se podem fazer tais atrocidades com seus iguais, eu não quero estar perto já que sou tão diferente.

Créditos da imagem por Tsaoshin- Chimera
Editado por Widalgo

Comentários

  1. Fantástico, simplesmente fantástico, eu nem sei o que dizer, eu leria com muita vontade e de bom grado um livro sobre esse personagens. Achei ele um personagem que tem muitas historias para contar.

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